Férias… férias para quem? Para as crianças, obviamente. Para os pais, nem tanto. Na nossa aclamada dualidade, bom e mau se revezam: bom não ter de acordar tão cedo. Bom não ter horários fixos. Bom não ter de comer correndo para cumprir horários… Por ter mais flexibilidade, acabamos marcando todas as consultas e passeios que não conseguimos encaixar entre as aulas, lotando rapidamente a agenda e mantendo o ritmo cronometrado de sempre. Estranho uso do tempo. Pessoalmente, mau para mim – mais usuários para o computador, menos tempo para escrever…
O vício na atividade constante pode produzir nos adictos uma sensação de vazio. E por não suportar esse incômodo, qualquer atividade serve para manter o ego ocupado desde que este não reflita, não sinta, não questione – mantenha o padrão neurotizante.
Stress nas férias. Tem muito. Tem gente que se cansa mais em férias que trabalhando. Lazer comprometido, qual é a qualidade dessa pausa? Na volta às aulas, até as crianças encaram um stress de boas vindas no portão da escola: para onde você foi? para “fora”? não? ah….
Pelo lado de dentro, dentro de casa, o curso intensivo de convivência familiar provoca uma certa inflamação nas relações. Irritações e críticas que passam despercebidas na rotina apertada, se somam e intensificam e uma hora vai tudo pelos ares! Hora de rever conceitos, valores, prioridades.
Será que sou uma ilusão, que estou aqui fazendo de conta, brincando de casinha assim como nos tempos de menina quando a grande preocupação era saber se ia conseguir meu irmão querido para meu ser par – ele era disputadíssimo, nenhum outro menino queria brincar de casinha! Naquele tempo, as grandes lutas eram travadas entre mocinhos e bandidos com armas de “dedos”! E ainda tinha aqueles que protestavam quando, na hora do tiro, o dedo parecia estar virado mais para a parede… Fala sério, o tiro valeu ou não valeu?!? Depende, depende de quem gritar mais. Três meses de férias na casa da avó com mais 100 primos, tios e agregados, uau!!! Éramos donos da cidade. Pequena cidade, grandes férias.
Agora crescidos, fantasiados de adultos racionais e civilizados, ainda brigamos por apontar o dedo, para ver quem consegue dar a última palavra e encerrar uma disputa, quem consegue impor a sua versão da vida. Poucos se importam se a questão é verdadeira, se maquiamos os dados, enganamos os clientes… Importa mais é vencer. Eta mundo competitivo!
E nós mulheres? Temos de dar conta dos homens e das muitas mulheres machificadas que cruzamos pelo caminho. Competição brava. Com o objetivo de crescer profissionalmente, afogamos a sensibilidade na pia todas as manhãs. Escondemos as noites mal dormidas por trás do BB Cream. Disfarçamos a silhueta sinuosa em terninhos e saltos elegantes. Entupimos o fígado com analgésicos e anti-inflamatórios para simular um mundo linear sem cólicas e vamos em frente. Bora fingir que somos tão competitivas quanto eles e podemos vencer.
Nós X Eles. Boa luta. Dizem que competitividade é bom. Bom para quem mesmo?
E quando vem para cama, como fica? Junto com a roupa, a gente se despe dessa tendência bélica? Ou convida todos os dramas e traumas do dia para uma noitada orgiástica sado-masoquista? E a sensibilidade, há anos enclausurada em nome da produtividade, cadê?
Tem gente que se diz mestre em separar bem as coisas: cada papel na vida é interpretado com fidelidade ao script independente do que se passa nos outros sets da sua realidade. Parabéns! Cá bem dentro de mim, desconfio que o tempo vá mandar a conta dessas peripécias de auto-engano.
Ou não.
Talvez isso seja uma inveja dissimulada de quem já tentou muito e não deu conta de se manter na corda bamba segurando a sombrinha na boca enquanto cantava sem desafinar “O Bêbado e a Equilibrista”.
Repito de ano nessa matéria. As minhas diversas partes se embaralham e se comunicam constantemente. Ser mãe, esposa, filha, amiga, vizinha, terapeuta, cunhada, cliente, colega, prima, aluna, yogini, escritora ou apenas mulher… Uma ajuda ou atrapalha, completa ou complica a outra. Juntas e misturadas, igual ao divertido filme de Adam Sandler e Drew Barrymore (“Juntos e Misturados”, Blended). São muitas faces inter-dependentes que se tricotam em pontos complexos.
De nada adianta fugir da lição de casa que ela te pega na próxima esquina. No final, no meio e no começo, o melhor é se tratar. Integrar todas as partes e suas sombras. Um trabalho extenso e intenso de auto-conhecimento que nunca tira férias.