Chamei de “Tempo Estranho” a coletânea de textos sobre o tratamento da minha falecida tireoide. Mal sabia eu que os tempos ficariam realmente estranhos em escala mundial, muito além do meu mundinho particular. Essa estranheza venho sentindo no ar, com tempero de informação e desinformação, gosto azedo de interesses aviltantes e falsas bondades… muita coisa estranha.
Voltando ao meu pequeno grande mundo…
Cheguei no hospital sábado, 18 de abril, às 6h30 da matina. Uma eternidade para fazer o check-in na “recepção estilo hotel cinco estrelas” rumo ao quarto 517. O primeiro enfermeiro me passa uma lista enorme de instruções de uso dos equipamentos do quarto, pois todo alimento que entrar pela porta ou será devorado por mim ou será colocado no lixo específico: 5 cestos de lixo diferentes, sem contar o do banheiro. E se eu me confundir? O uso do banheiro também tem peculiaridades que não vou comentar.
Um biombo de chumbo separa a pessoa em estado radioativo de qualquer ser que entre pela porta, de forma que, antes de todas as bandejas de papelão serem trazidas, o telefone toca e avisa para eu brincar de esconder atrás dessas placas brancas.
Vários outros enfermeiros vieram antes da dose líquida de iodo ser administrada pelo médico nuclear Dr. Tazima. Em vez da cápsula esperada, uma seringa de 2ml de um líquido claro de gosto metálico. O médico sai rapidinho e, em seguida, entra o físico todo paramentado com avental de chumbo escondido atrás do biombo também de chumbo para fazer a medição da radiação. O resultado emitido pelo contador Geiger foi de 50 doses. A escala usada é muito complicado para a minha cabecinha de humanas. Comparando com a medida do lado de fora do quarto (0,1), posso dizer que a coisa é bem forte.
Mais 2 horas em jejum antes do café da manhã. O dia foi passando entre conversas por telefone ao sol na varanda, meditação, pranayamas, deita-levanta-come-deita-levanta-come… Felizmente sem nenhum dos sintomas típicos: náusea e dores de cabeça. Tudo isso regado a quase 4 litros de água com limão, chás e sucos para acelerar a eliminação da radiação.
Fiz a bobagem de aproveitar o sol morninho na varanda. Tantos dias trancada em casa, carente de sol… Por sorte, sou uma pessoa que sua muito pouco. Não me dei conta que o suor carregado de radiação brotando da pele iria me deixar com uma queimadura leve no rosto. Nada grave, porém muito estranho, pele grossa, coceira… Inevitável a conexão com Hiroshima. O tanto que sofreram aquelas pessoas, com queimaduras graves internas e externas… É de partir o coração!
Para ter alta no dia seguinte, a medição teria de ficar abaixo de 18 doses. O resultado foi 11! Bom número esse, número mestre. Bora para casa, à espera para mais exames. De volta a essa rotina nada normal a que estamos submetidos no momento. O distanciamento social da rua para fora dói menos que o distanciamento dentro de casa. Manter as meninas longe de mim tem um custo muito alto. Isso também vai passar.
Quarta-feira, dia 22 de abril, retorno ao HAOC para passar pelo PCI (pesquisa de corpo inteiro). Exame rápido e tranquilo. Enquanto algumas pessoas passam mal por claustrofobia, eu deito, mantro e tá tudo certo. O tempo passa tão ligeiro que nem percebo.
O laudo mostra uma mancha escura enorme em torno do abdômen, do tamanho da barriga do meu padrinho, e outra na região da garganta e boca – as principais áreas afetadas pelo iodo – o que já era esperado. Apesar dessa nuvem negra, a médica diz que está tudo normal, nada de metástase em nenhuma parte. Chega de palavrões na minha vida. Parei de usar palavrão como forma de exclamação há 18 anos, quando minha filha nasceu.
Bate um cansaço intenso, como se a mancha escura no exame fosse feita de chumbo e estivesse pesando toda embolada dentro de mim. Chorar? Não, não vou arriscar criar mais queimaduras. Momento de gratidão, pausa e reavaliação. Dentro de 10 dias, receberei o laudo oficial em casa. Sem pressa de correr para a próxima consulta.
Vai correr tudo bem!
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Oie, força minha criança, a luta continua
No final temos a vitória
E aí vem o sabor doce da vida
E agradecemos o universo
Fazemos parte desta família imensa
Te amo, criança!
Muitos abraços
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Obrigada Marisa querida, estamos aqui, separados distantes e sempre juntos no coração. Desde 2013 tive tantas idas e vindas com essa questão que nem sei…. De qualquer forma, sigo forte na fé em Deus, em mim e nessa família querida expandida que formamos com muito amor. Saudades.
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