Como seria se tivéssemos escadas para subir ao céu? Escada de mármore, de madeira, de corda, escada em caracol, degraus largos, degraus altos…. Seria possível conseguir uma escada rolante? Já que pode pedir, que tal um elevador panorâmico!
Quando era criança, na casa de um parente onde passava sempre as férias, havia um quadro que me assombrava. A imagem pintada com requinte de detalhes era dividida em duas partes: de um lado (o lado esquerdo, lógico) muitas pessoas comendo, dançando, jogando, curtindo a vida na boa sem preocupações aparentes, reino de frivolidades, dos prazeres, das coisas fáceis – o reino do diabo. No final dessa caminhada, o inferno te aguardava sedento de sangue e nele você passaria o resto da eternidade naquele calorzinho básico de vulcão.
O outro lado, peraí, ah o lado direito, o lado dos tementes a deus, penitentes e beatos. Levei muito tempo para saber que beato significa feliz. Para mim, beatas eram aquelas mulheres idosas e corcundas, que batiam cartão na igreja diariamente e, com suas vozes estridentes, dominavam o canto nas missas, machucando meus ouvidos.
Enfim, no lado direito do quadro, havia uma escada íngreme, estreita e impossível onde poucas pessoas se aventuravam a pisar mas as fortes e determinadas subiam em silêncio, sofrimento, cansadas, de costas arqueadas pelo esforço. Muitos degraus acima, encontravam a tão sonhada paz e o céu lindo do paraíso as aguardava com anjos e harpas. Toda a eternidade nos campos sagrados e benditos. Fazendo n-a-d-a! Que tédio… esse pensamento eu pensava bem baixinho que era para ninguém ouvir, de medo.
A matemática era simples assim: se você tem prazer na vida: já era – o inferno é seu único destino. Se você sofrer a vida toda: um céu de recompensas te aguarda. Tudo bem viver na dualidade, mas precisa desses extremos? Fala sério! Então se eu me divertisse, era ruim? Nada disso fazia sentido….
Nada de mobilidade social no mundo espiritual. Nada de mudar de lado. Nada de evoluir. Sua única chance é aqui agora. Você tem uns 70 anos para resolver ser bom ou mau e #partiuceu ou #partiuinferno! Cruel né?
Coisas assustadoras gravadas na memória. Elas afloram de vez em quando. Acho que querem ser resignificadas, retiradas do sótão desse inconsciente que teima em mandar na minha vida. Parte da minha grande limpeza de alma nesse tempo de fim dos tempos. A religião tem um poder de engessar a mente em doses homeopáticas. Porém, com um pouco de curiosidade e abertura, podemos escolher sair das caixinhas apertadas de dogmas e preconceitos.
Contudo, a imagem da escada persiste.
A gente pensa na ascensão como um caminhar para cima, para o alto, ascendente. Esse caminhar pode ser também para os lados, na diagonal ou para baixo, para o centro. Muitas experiências pode ter uma única alma, muitas existências em paralelo, independentes. A Vida além da vida não é necessariamente um processo contínuo como uma esteira industrial.
Mesmo que nessa vida a gente entre de cabeça na evolução espiritual, buscando melhorar a cada dia, ser mais compassivo, praticar a não violência, o caminho do meio etc etc, essa viagem tem paradas para descanso, para tomar fôlego antes de subir mais um degrau. Sabe quando a gente pausa o jogo para fazer um lanche, para ir ao banheiro?
Pausa.
A pausa é sagrada. A pausa, a não ação aparente, o estado de savasana onde não se faz nada, consolida o aprendizado internamente. A “postura do cadáver” na yoga (nome macabro) não é fingir de morto como se fugisse das responsabilidades. É a hora de se permitir o repouso reparador, desfazer tensões e preparar para a ação que vem em seguida ou para a medit-ação.
É a hora da entrega, deitado no solo, abandonado à Mãe Terra que nos abraça sem perguntar porquês, onde, como, que roupa está usando – sem preconceito ou julgamento. Um abraço que sustenta a vida em todas as suas formas, oferece energia e um mar de possibilidades. Oferece um cantinho para chamar de seu. Oferece tanto, sem pedir nada em troca.
Entrega! Entrega para a mãe e a mãe rega a sua existência com flores de luz. Para alcançar o pai, precisamos dos dois pés firmes na terra, essa mãe de pura compaixão.